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O que o país tem a aprender com a educação de Pernambuco

O secretário de Educação e Esportes de Pernambuco, Frederico da Costa Amancio, não esconde a sinceridade no início da entrevista a Educação: “Temos plena consciência de que ainda falta muito a ser feito em nosso estado, como de resto no país, para colocar o ensino médio num patamar satisfatório, mas é impossível não reconhecer a rápida evolução ocorrida aqui”.
Há também razão nas palavras de Fred Amancio, como é conhecido no meio educacional. Em pouco mais de uma década, todos os indicadores do médio por lá saltaram de índices constrangedores para as melhores posições nos rankings nacionais. Diante da transformação feita por um estado sempre desafiado a enfrentar entraves sociais e financeiros históricos, como todos do Nordeste, fica fácil concluir que algo parecido não foi feito em outros estados, antes de tudo, por incompetência, desinteresse, corrupção, irresponsabilidade ou tudo isso junto.
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Educação mão na massa

Pernambuco criou, em 2004, um projeto-piloto para aprimorar a qualidade do aprendizado, da formação profissional e diminuir os índices de evasão no ensino médio. Os objetivos principais eram estender a jornada escolar, com o horário integral, e aumentar a participação dos alunos como protagonistas na definição de modelos de aula, ferramentas pedagógicas e da construção de seus projetos profissionais e de vida. Entre 2007 e 2008, nos primeiros anos do governador Eduardo Campos (morto em agosto de 2014 num acidente aéreo), o projeto foi transformado em política pública a partir do lançamento do Programa de Educação Integral no estado.
Com o diagnóstico das carências da rede estadual de ensino médio, foi elaborado um plano estratégico central, de ação contínua, administrado pela Secretaria de Educação, para enfrentar os problemas. Naquele momento, entre os 26 estados da Federação e o Distrito Federal, Pernambuco era o 21º no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com a deprimente nota 2,7 na escala de zero a dez, e o 26º, ou penúltimo, em taxa de aprovação. Praticamente um a cada quatro alunos (24%) não completava o médio no estado. Uma tragédia educacional.

Virada à paulistana

Pouco mais de 12 anos depois, Amancio, seu time e os educadores do ensino médio enfileiram orgulhosos os números, dados e índices de um dos processos de recuperação mais consistentes e velozes da história da educação brasileira. O estado, que tinha em 2005 o tal Ideb de 2,7 (e o país com igualmente vergonhosos 3,0 no mesmo ano), liderou o ranking em 2015. No último apurado, em 2017, ficou em terceiro, com 4,0, um décimo atrás do Espírito Santo e dois do líder Goiás. E poderia ser 4,2, mesma marca dos goianos, se o Inep não resolvesse, de última hora, desconsiderar no índice a performance das escolas puramente técnicas (a média do Brasil em 2017 foi de 3,5). No mesmo período, a nota média em matemática e língua portuguesa foi de 3,7 para 4,3 em Pernambuco, enquanto a do país caminhou de 4,1 para 4,2 – no final das contas uma evolução seguida de recuo, pois havia batido em 4,3 em 2011.
O percentual de alunos aprovados no estado saltou de 73% em 2005 para 93% em 2017, o segundo maior do país, atrás apenas de Goiás (a média brasileira é de 82%). Atualmente, Pernambuco é o estado com a menor taxa de abandono escolar. E também com o menor índice de desigualdade de aprendizagem no médio entre estudantes de nível socioeconômico alto e baixo.
Milagre? “Nada disso, de forma alguma”, rebate Fred Amancio. “São os efeitos da obediência a um planejamento estratégico, da continuidade de ações nos governos seguintes, o que infelizmente é raro no Brasil, e da humildade em reconhecer que não se resolve tudo de uma hora para outra e nem em pouco tempo em política pública. Não podemos parar na execução do que foi definido. O processo é ininterrupto. As escolas precisam ter autonomia para definir seus itinerários formativos e as linhas de ação com alunos e comunidades, mas a definição da política estratégica precisa ser decidida, executada, sustentada e financiada com decisão pelo poder público. A estratégia precisa ser gerida de forma central – ou então, a coisa não anda”, ensina.
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educação Pernambuco
Fred Amancio (foto: Helia Scheppa / divulgação GOV PE)


Fred Amancio detalhou os eixos de ação que promoveram o salto de qualidade no ensino básico pernambucano em entrevista a Educação. São eles:

— Melhoria da infraestrutura das escolas secundárias

As unidades de ensino médio da rede estadual pernambucana passam por reformas e recebem equipamentos desde o início do programa. Climatização, banheiros, bibliotecas, carteiras, mobiliário, cozinha, tudo é contemplado nas reformulações. As prioridades são definidas com levantamentos periódicos das carências nas escolas. “É o típico caso de prevalência do processo continuado que destaquei. Precisamos otimizar o resultado das melhorias em função dos recursos, que quase sempre são inferiores à necessidade”, explica o secretário.

— A opção pelas escolas em tempo integral 

Essa talvez seja a parte do projeto em que foram registradas as atitudes mais ousadas – e geradoras dos melhores resultados. O Ginásio Pernambucano, primeira escola média em tempo integral do estado, com mais de dois séculos de existência, serviu de sede e base para estudos e inspirou o projeto de implantação do modelo na rede. Atualmente, 412 das 760 unidades pernambucanas com ensino médio, 54,2% do total, funcionam em tempo integral. Para se ter ideia do feito, o Estado de São Paulo, o mais rico da federação, não deve ter 15%, e a meta estabelecida no Plano Nacional de Educação (PNE), praticamente impossível de ser atingida nas atuais circunstâncias, é de metade das escolas médias em todo o Brasil no turno integral até 2024. O país está longe, bem longe disso, mas os pernambucanos deixaram os 50% para trás há alguns anos.
No início do atual ano letivo, 57% das matrículas na rede pública de ensino médio no estado foram para escolas em tempo integral (carga horária de 45 horas-aula semanais e dois turnos nos cinco dias da semana) ou semi-integral (35 horas-aula semanais, com professores trabalhando cinco manhãs e três tardes ou cinco tardes e três manhãs, e estudantes por cinco manhãs e duas tardes ou cinco tardes e duas manhãs).
No início da implantação, havia o medo de que as escolas com novo formato atraíssem os recursos e os melhores educadores de forma desequilibrada, prejudicando o restante da rede. “Essa preocupação desapareceu quando ficou claro que havia planejamento e orçamento para todo o processo de mudança”, explica o secretário. “A adoção do turno integral foi precedida de esclarecimento de professores, alunos e comunidades. Hoje, ao contrário, dirigentes de muitas escolas em meio turno nos procuram para agilizar a mudança rumo ao horário integral.”
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— Ampliação de vagas e abrangência das escolas técnicas

No início do projeto, as escolas médias públicas especificamente técnicas pernambucanas eram apenas seis. Hoje são 44 prontas, seis em construção e outras unidades em adaptação. “São escolas que uniram o tempo integral a uma formação profissionalizante importante para a nossa realidade profissional”, destaca o secretário.

— Inovações e protagonismo dos alunos

Fred Amancio chama atenção para as inovações e estratégias adotadas, entre elas as medidas para que os alunos colaborem na definição dos modelos de condução das aulas e na construção dos projetos de vida com ligação entre teoria e prática. “As matérias mais importantes são abordadas com esse conceito e dadas em duas versões: matemática e matemática experimental, física e física experimental, química e química experimental, e por aí vai.”

— Gestão por resultados e metas

As escolas recebem metas. Elas são estabelecidas a partir dos sistemas de avaliação estadual e nacional (passar da nota 4,1 para a 4,3 no Ideb ou no índice estadual, por exemplo) e também de outros objetivos definidos na unidade, região ou secretaria. Escolas e professores que atingem os alvos são recompensados. Os educadores recebem uma remuneração extra, espécie de 15º salário, pago normalmente nos meses de setembro. “É definido um bolo para isso de acordo com a arrecadação. Como esse valor não tem variado muito de ano para ano, e cada vez mais professores atingem os resultados, por uma triste ironia às vezes temos valores individuais menores em um ano em relação ao anterior”, comenta. “Mas nossa luta é para que esse fundo também melhore em um futuro próximo.”
Os estudos sobre educação e mercado de trabalho atestam que os pernambucanos estão no caminho certo na aposta em educação integral. Um deles, realizado pelo Laboratório de Pesquisa e Avaliação em Aprendizagem da Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Instituto Sonho Grande, em parceria com a Secretaria Esta­­dual de Educação, com 2.814 jovens formados em escolas públicas médias pernambucanas entre 2009 e 2014, mostrou que os diplomados em turno integral tiveram 63% de chance de entrar no ensino superior, contra 46% para os alunos de meio período. E renda mensal 18% superior no início da carreira.
As escolas médias com período completo no estado praticamente zeraram as diferenças salariais entre seus alunos brancos e negros. E aumentaram a entrada de mulheres no mercado de trabalho. A consciência do governo pernambucano de que ainda falta muito a fazer e o processo é contínuo exibe um elogiável senso de responsabilidade. Mas se o país inteiro conseguisse chegar aonde eles já estão seria um ganho fenomenal e revolucionário.

Fonte: Revista Educação

Mais da metade dos alunos querem psicólogo na escola

A presença de psicólogo na escola é considerada importante para 64% dos 258.680 estudantes, de 11 a 21 anos de todo o Brasil que participaram da 3ª edição da pesquisa Nossa Escola em (Re)Construção, realizada pelo portal Porvir em 2019. Os jovens também querem médico ou outro profissional de saúde (39%), orientador educacional ou vocacional (37%), e assistente social (24%).
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Entretanto, um dado que chama a atenção é o que revela — sem nenhuma surpresa — que 79% dos participantes pararam de estudar no ensino fundamental, seguido do ensino médio com 14% e ensino superior com 1%.
A pesquisa revela ainda grupos ou organizações de que os alunos participam: 35% afirmam pertencerem a grupo de igreja, 15% coletivo ou grupo juvenil, 6% organização social/não governamental, 6% algum movimento, 2% partido político e 38% nenhuma das anteriores.

Fonte: Revista Educação