O enfrentamento ideológico que o bolsonarismo move contra adversários políticos convertidos em inimigos, como faz todo movimento radical e autoritário, infelizmente atinge a área da educação, vital para o futuro da sociedade. E pior, quando o Brasil patina na instrução de uma população jovem ainda numerosa. Por fatalidade demográfica, sua representatividade no conjunto dos brasileiros tende a diminuir, enquanto aumenta a dos idosos. Fenômeno universal, esta tendência ao envelhecimento da maioria tem várias implicações. Na educação, significa que começa a se esgotar o tempo a fim de que o país instrua da melhor forma possível seus jovens, para que, ao entrarem no mercado de trabalho, aumentem a produtividade da economia. É a fórmula do desenvolvimento.
O Brasil corre risco de não aproveitar esta oportunidade única. A janela demográfica começa a se fechar. Enquanto isso, a qualidade do ensino básico não avança. O último Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) manteve o Brasil na parte de baixo do ranking em Leitura, Matemática e Ciências. O exame, aplicado periodicamente pela Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OCDE), em que se congregam países ricos, e da qual o Brasil deseja ser membro pleno, testa estudantes na faixa dos 15 anos de idade.
A virtual estagnação dos brasileiros no Pisa é péssimo sinal. Mas o país não está na estaca zero. Desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso, passando pelas de Lula e Dilma, cujo mandato foi completado pelo vice Michel Temer, até janeiro de 2019, foram 24 anos de razoável continuidade.
A educação conseguiu unir forças políticas e partidos diversos em torno de uma pauta comum. Neste período de quase duas décadas e meia foi alcançada a universalização na matrícula, criaram-se sistemas de acompanhamento da evolução da qualidade do ensino e lançaram-se os fundos (Fundef e Fundeb) que melhoraram a distribuição dos recursos em estados e municípios. Primeiro, no ensino fundamental, e depois, no básico como um todo.
O êxito da democratização da matrícula no ciclo fundamental trouxe uma queda no aprendizado, porque milhões de crianças das faixas mais pobres chegaram à escola. Um progresso que pressiona as estruturas de ensino para que não deixem esses jovens para trás. Esta barreira ainda está para ser vencida. Continua difícil, mas é preciso persistir.
Há várias experiências bem-sucedidas no país, também apoiadas por organizações da sociedade. Não existe fórmula secreta para a boa educação. Ela é conhecida. A dificuldade está em replicá-la na velocidade e extensão necessárias, em um país continental, com desníveis variados.
O Brasil está neste estágio, quando é deflagrada a “guerra cultural”. Ela atrapalha o difícil enfrentamento do problema da qualidade do ensino brasileiro, que vem acontecendo por meio de uma frente política mais ampla do que a visão estreita que reduz a realidade ao conflito entre “direita” e “esquerda”.
Não deve importar a tendência política do educador, mas como ele pode contribuir para ajudar o Brasil a sair deste estágio de virtual estagnação na melhoria do padrão de ensino. Não se trata de falta de um projeto. Sabe-se a direção a seguir. Até porque parte do caminho já foi percorrida. Mas é insuficiente. Há o currículo único e a reforma do ensino médio, por exemplo, a serem implementados. Converter a educação em campo de batalha entre extremistas é no mínimo falta de inteligência e de civismo.
(O Globo, 02/01/2020)