A defasagem nas políticas de valorização dos profissionais da educação e a falta de compromisso dos poderes públicos, que descumprem as leis que já existem, colocam o Brasil na liderança do ranking de pior salário pago a professores do ensino médio no mundo.
De acordo com pesquisa feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 46 países, a média salarial brasileira é 13% inferior à média da América Latina.
Em comparação aos países ricos a diferença é maior ainda. O professor brasileiro do ensino médio recebe por ano o equivalente a U$S 25.966, quase metade da média praticada nos 38 países ricos e integrantes da OCDE, que é de U$S 49.778.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Heleno Araújo, afirma que não é só no ensino médio que os professores sofrem com os baixos salários e desvalorização. Além disso, diz, esse cenário é resultado de decisões políticas erráticas, tomadas sem diálogo com a categoria e com a sociedade, e de governantes que não valorizam a educação pública, acessível e de qualidade.
“Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) houve abandono do ensino médio, porque foi lançado o FUNDEF, um fundo para garantir uma subvinculação dos recursos da educação só para o Ensino Fundamental. Até hoje, não foi possível equilibrar esta diferença com as outras etapas”.
“E ainda temos problemas na aplicação de políticas importantes conquistadas nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma, o que poderiam ter diminuído estas desigualdades”, afirmou Heleno.
O dirigente se refere a dois grandes avanços no período de 2008 e 2014 e que não estão sendo cumpridos. Um é o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de 2007, que proporcionou a regulamentação da Lei nº 11.738 do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), em 2008, e que 16 estados não cumprem, segundo estudo do Dieese “Remunerações iniciais nas carreiras do magistério nas redes estaduais do Brasil” de março de 2020.
Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Tocantins, Pará, Paraná, Bahia, São Paulo, Sergipe, Goiás, Santa Catarina, Pernambuco, Rondônia, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas pagam aos professores menos que R$ 2.886, 24 por 40 horas semanais.
Outro avanço conquistado que vem sendo descumprido é a meta 17 do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014, que já indicava que em 2020 o salário médio dos trabalhadores da educação deveria estar equiparado com o de outros profissionais com a mesma formação. A meta ficou no papel.
De acordo com resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em relação ao 2º trimestre de 2019 essa disparidade ainda acontece.
A remuneração média de todos os professores brasileiros das redes públicas estaduais de ensino básico foi de R$ 3.262, equivalente a 67,5% da remuneração média das demais ocupações com nível superior, no valor de R$ 4.833.
“Esta desigualdade mostra o descrédito da profissão do professor como se o trabalho dele não fosse importante como o de outros profissionais. E a Lei do piso que consegue diminuir estes impactos, porque permite avanços nesta valorização através do ganho salarial. E eu não tenho dúvidas que sem a PSPN muitos profissionais teriam dificuldades, de certa forma, de fazer o enfrentamento com o Estado para não ficar sem o reajuste”, explicou o técnico do Dieese, Thiago Soares.
De 2009 a 2020 a valorização nominal da categoria foi maior que 200% e se tirar os índices da inflação este número fica em 65,5%, como mostra a tabela abaixo.
Apesar do PSPN ter avançado nestes últimos anos, Thiago lembra que a Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo aprovada no governo Lula com muita pressão da CUT e seus sindicatos também ajudou a contribuir com a melhora dos índices.
Mas sem Lula, sem PNSM, que o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) extinguiu e com este Congresso Nacional, a valorização dos professores está ainda mais ameaçada.
Segundo Heleno, a perspectiva de melhora no PSPN estaria no Fundeb permanente que foi aprovado recentemente e que prevê o aumento da participação da União de 10% para 23% até 2026, mas a questão está comprometida.
“Para que o piso nacional seja reajustado de forma justa é preciso regulamentar uma lei, mas esta é uma questão que está ameaçada pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), que quer desenterrar uma lei de 2011 que reduz o índice de reajuste. Conseguimos segurar até agora para que este projeto não vá para frente, porque caso siga adiante o piso será reajustado só pelo índice da Inflação e aí a perspectiva de melhora nos salários da categoria morre”, afirmou Heleno.
Qualidade x salários
A professora da Universidade Federal do Paraná, Andréa Gouveia, que tem inúmeras pesquisas, inclusive internacionais, disse que algumas mostram que alguns elementos fazem diferença em características de boas escolas.
Segundo ela, são profissionais com alta formação, que conseguem se dedicar ao seu trabalho em uma escola, planejar as atividades e se atualizar e isso passa sim por um salário decente.
Além disso, os países mais ricos recrutam seus professores entre os jovens com o melhor desempenho nas universidades. “Como você atrai os melhores profissionais para uma profissão que não é valorizada?”, questiona.
“Numa sociedade de mercado, como que a gente vive, a valorização passa sim pela remuneração e o reconhecimento no trabalho. Além disso, passa também por você poder viver com boas condições a partir do seu trabalho”, explica a professora.
A professora também ressalta que valorizar a formação e os professores faz com que a profissão continue a existir.
“Os nossos alunos brasileiros vivem uma desigualdade sem tamanho e têm na escola a única alternativa para poder ter uma formação e por isso que é fundamental que tenhamos bom professores. É preciso atrair jovens para vir para o magistério e ficar nessa profissão porque acabamos perdendo esses professores por conta dos baixos salários e condições precárias de trabalho”, finaliza a professora.
(CUT Brasil, Érica Aragão, com edição de Marize Muniz, 11/09/2020)