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O PROJETO FUTURE-SE E O FUTURO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA

O PROJETO FUTURE-SE E O FUTURO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA 2
PAULO FIORAVANTE GIARETA é Professor e Pesquisador sobre Políticas Educacionais.

O MEC apresentou, nos últimos meses, uma proposta de reestruturação da gestão financeira, patrimonial e didático-científica das Universidades e Institutos Federais. A proposta, denominada de Future-se, apresenta-se como um documento genérico, limitado do ponto de vista técnico administrativo e profundamente agressivo ao disciplinamento constitucional formalizado no Artigo 207 (Constituição Federal de 1988), que garante a autonomia administrativa, de gestão financeira, patrimonial e didático-científica da Universidade.

Convém compreender a proposta do Future-se como expressão aguda de uma agenda política em curso no Brasil desde a adoção da política de ajuste fiscal às avessas, de 2014, penalizando a educação com contingenciamentos bilionários, situação que se agravou com a aprovação, em 2017, da denominada PEC do Teto de Gastos, congelando o investimento real em educação para os próximos 20 anos. Agenda agressiva que ganha contornos dramáticos em 2019 com a chamada política de contingenciamento imposta pelo governo federal, inviabilizando a possibilidade real de gestão das Universidades e Institutos Federais. Cenário que parece justificar a destituição da compreensão do princípio constitucional da Autonomia de Gestão Financeira da Universidade, passando a compreendê-la, a partir da proposta do Future-se, restritivamente, pelo conceito de Autonomia Financeira, que na prática busca responsabilizar as próprias instituições pela captação, no mercado, dos recursos demandados pelo seu orçamento.

Destaca-se que o contingenciamento não se restringe ao orçamento direto das Universidades, mas afeta aos demais ministérios e agências de fomento à cultura, ciência e tecnologia, inviabilizando projetos de promoção cultural e de produção científica nas universidades – instância que concentra 90% da pesquisa desenvolvida no Brasil -, forçando certa seletividade mercadológica dos projetos que devem ser desenvolvidos nas Universidades, impactando de forma irreversível sobre a autonomia didático – científica da Universidade.

Soma-se, a isso, a possibilidade de penhora do patrimônio das Instituições como forma de garantia para captação de recursos no mercado financeiro e a transferência integral da gestão, inclusive, da forma de contratação e avaliação da produção docente, para agentes privados denominados de OS – Organizações Sociais, desfigurando as conquistas históricas dos Planos de Carreira docente, que muito contribuíram para elevar as Universidades Públicas brasileiras ao patamar das melhores instituições do mundo, e descaracterizando integralmente o princípio constitucional da Autonomia da Gestão Patrimonial.

Por fim, compreende-se o Future-se como um ataque inconstitucional, mercadológico e irresponsável, que implicará, em termos práticos, numa proposta inviável do ponto de vista da gestão, na destituição do caráter científico da Universidade, no reducionismo pedagógicos da Universidade à função do ensino, da completa instabilidade contratual dos trabalhadores da educação a ela vinculados, no total desamparo público e democrático das formas de acesso e permanência dos estudantes nas Universidades e Institutos Federais e na desobrigação do estado para com o orçamento universitário.

Proposição que implicará no abandono, por parte das Universidades, especialmente daquelas comprometidas com a democratização do acesso à formação superior no interior do país, dos indicadores de fomento para o empreendedorismo cultural, tecnológico e científico e o apego progressivo a indicadores  de fomento a um empreendedorismo de baixa complexidade.

Em tempo: o caráter irresponsável do projeto está no fato de que ele se justifica pela afirmativa de que esta proposta tornaria nossas universidades mais modernas e próxima ao que acontece no mundo desenvolvido, afirmando que nestes países a pesquisa e a Universidade são financiadas, majoritariamente, por recursos privados. Mas, se analisarmos os Estados Unidos, por exemplo, 95% das pesquisas são financiadas com recurso público. Se um país como os EUA não consegue, por que devemos crer que o Brasil conseguirá?

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